domingo, 22 de novembro de 2009

SINDICABILIDADE JUDICIAL DOS DIREITOS SOCIAIS E POLITIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO

PODER JUDICIÁRIO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Judicialização da política e politização da justiça


Manoel Gonçalves Ferreira Filho. ¨Poder Judiciário na Constituição de 1988 ( judicialização da Política e Politização da Justiça )". Revista de Direito Administrativo nº 198, 1994, p.1 - 17


Roger Stiefelmann Leal . " A Judicialização da Política " . Revista dos Tribunais - Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política nº 29, 1999, p. 230 - 237

A judicialização da política tende a trazer a politização da justiça não é fenômeno brasileiro.

Montesquieu : Divisão dos três poderes . Executivo – Legislativo – Judiciário
Um faz a lei, outro a executa e o terceiro também a aplica, porém, contenciosamente.

- A representação popular tem o comando último : A lei é expressão da vontade geral e rege o Estado; sujeita o Executivo ao cumprimento estrito do que a lei determina – Este só pode fazer o que a lei permite; impõe ao Judiciário vivenciar a lei, decidindo os litígios, punindo criminosos, mas sempre num processo dialético – o contencioso. – Esse conjunto, faz o Estado de Direito.

O Judiciário “ é o que tem por missão aplicar contenciosamente a lei a casos particulares “ - Pedro Lessa.

1. As funções do Judiciário são as de um árbitro; para que possa desempenhá-las, importa que surja um pleito, uma contenda;

2. Só se pronuncia acerca de casos particulares, e não em abstrato sobre normas, ou preceitos jurídicos, e ainda menos sobre princípios;

3. Não tem iniciativa, agindo – quando provocado, o que é mais uma conseqüência da necessidade de uma contestação para poder funcionar.

Diferença-se, pois, o Poder Judiciário dos outros dois poderes constitucionais pela natureza da função, por ele exercida, ratione numeris, e não pela natureza da matéria, ratione materiae.
Não há assuntos que por sua natureza sejam de ordem legislativa, ou de ordem administrativa ou judiciária. Uma só matéria pode ser legislativa, executiva e judicial.

Trata-se de regulá-la por uma lei ? – é legislativa;

Faz-se necessário executar a lei, ou proceder em geral de acordo com a lei? - é a matéria executiva, ou administrativa.

Deu origem a contendas, ou contestações concernentes à aplicação da lei ? – é judicial.

Por não invadirem o espaço um do outro, os três poderes são harmônicos e independentes. Não são delegáveis um para o outro as tarefas a cada um cometidas pela Constituição.

O Judiciário diz o direito, no sentido de jurisdição, de jus ( direito) e dicere ( dizer ) de onde vem o termo, em casos concretos.

De seu controle não escapam os atos de outro Poder, quando ferem direitos individuais. É o princípio da inafastabilidade do controle judicial .

Na Carta de 34, no art. 68 foi inserido : “ É vedado ao Poder Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas “ .

O Judiciário é o guardião da lei, e lei, é tanto a Constituição, como a lei ordinária.

A Constituição de 1934 foi inspirada na Constituição de Weimar, contribuiu para o desdobramento apontado com a institucionalização do “mandado de segurança” e da “ação popular” , e a previsão de esboço de controle direto de constitucionalidade por parte do Supremo Tribunal Federal. Houve, também, a institucionalização da Justiça Eleitoral ( criada no Código Eleitoral de 32 ). Todas essas iniciativas permanecem até os dias atuais.

O mandado de segurança foi incluído nos direitos e garantias individuais ( art. 113, nº33), para a defesa de direito “certo e incontestável” , ameaçado de violação ou já violado pela autoridade. À partir de 1946 ( art. 141,§24) ,ficou consagrada a expressão : “ direito líquido e certo” como pressuposto do cabimento de mandado de segurança .

Na Constituição de 34 ( no último parágrafo – nº 38 ) consagrou-se a ação popular. Com essa, deu-se a todo cidadão a possibilidade de trazer para o âmbito do Judiciário a discussão da lesividade de ato de administrador público.

Os contornos da lesividade não se confundem com os da legalidade, podendo , então,o Juiz decidir sobre o mérito da decisão governamental, porque não há fronteira definida entre o menos econômico e o lesivo.

A ação popular ( sob a Constituição de 1967 e a Emenda nº1/69 ) foi um eficiente instrumento político, ampliando o conceito de lesividade, os atos de governo passaram a sofrer um perigoso controle pelo Judiciário, num momento em que o Legislativo estava “ domesticado “.

A Justiça Eleitoral, constitucionalizada em 1934 ( art. 82 e s.) assumiu o alistamento eleitoral, a preparação das eleições , sua realização e apuração, bem como todo o contencioso eleitoral. Com isto,a própria integração os órgãos políticos passou à mãos de um ramo do Judiciário.

A Constituição de 1946 deu ao Tribunal Superior Eleitoral o registro dos partidos políticos, bem como a cassação destes,inclusive por aplicação do art. 141, §13,que proibia os partidos antidemocráticos.

Em 1985,criou-se pela Lei 7.347, a ação civil pública,destinada a apurar a responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico,de legitimidade do Ministério Público.

Frequentemente, é o próprio Estado, representado por empresas públicas, autarquias, sociedades de economia mista, que é acusado e responsável por esses danos. Pela ação civil pública, é a própria atuação do Estado que é contestada.
Na Constituinte de 87/88 houve todo tipo de lobbyes, inclusive o dos magistrados, que obteve autonomia financeira ao Judiciário ( art. 99) e que aos Tribunais fosse dado o provimento dos cargos de Juiz ( art. 96,I,”c” ) . Os magistrados ficaram livres de dever favores aos titulares do Poder Executivo.

A Constituição de 88 manteve ao Judiciário a função tradicional de julgar,aplicando contenciosamente a lei aos litígios entre particulares, sancionando a conduta entre os indivíduos,contudo, o texto de 88 importou o “ due process of law” substantivo, do direito anglo-saxônico ( art. 5º, LIV ) . Assim, foi adotado no Brasil o princípio da razoabilidade da lei e a proporcionalidade dos encargos que acarreta. Antes, o magistrado brasileiro era tão somente a voz da lei

Os indivíduos e grupos sociais se defendem como podem, impetrando mandados de segurança ou requerendo medidas cautelares,cabendo apreciação aos juízes de primeiro grau e Tribunais inferiores,que tem acolhido os pedidos, declarando a inconstitucionalidade, gerando dissídios interpretativos e insegurança jurídica, na medida em que , os juízes de primeira instância e mesmo Tribunais inferiores decidem, muitas vezes,de forma diametralmente opostas.

Para evitar a insegurança jurídica das decisões discrepantes, instituiu-se, por proposta do governo, a Ação de Constitucionalidade, que pode ser requerida pelo Presidente da República, pela mesa do Senado Federal, pela mesa da Câmara dos Deputados ou pelo Procurador-Geral da República ( art. 103, §4º), para que o Governo possa antecipar-se a uma eventual ação de inconstitucionalidade e as mandados de segurança e cautelares individualmente requeridas, obtendo um provimento favorável à constitucionalidade da lei ou do ato normativo e do próprio Supremo Tribunal Federal.

Sem contraditório, a ação de constitucionalidade não é uma verdadeira ação,passa a ser uma espécie anômala de sanção. A lei – de constitucionalidade duvidosa, - sairia do STF sancionada como constitucional .

O STF, fortalecido, tal qual o Conselho Constitucional francês, examina a constitucionalidade da lei, antes de entrar esta em vigor. Essas decisões de mérito em ações de constitucionalidade tem eficácia erga omnes e efeito vinculante ( Emenda nº 3/93, §2º do art. 102) ,

O papel do Judiciário tem se revestido,portanto, de acentuado caráter político. No caso do controle de constitucionalidade, a ação direta de inconstitucionalidade, que se generaliza, e a ação direta de constitucionalidade fazem dele um legislador negativo, enquanto a ação de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção o impelem a tornar-se um legislador ativo.

Já antes da promulgação da Constituição/ 88 , esboçava-se uma mudança no papel do Judiciário no concernente à administração pública, em razão do desenvolvimento da ação popular e, mais recentemente, da ação civil pública. Com a Carta de 88, o Judiciário passou a controlar a administração pública não só em vista dos interesses individuais mas também em prol do interesse geral. , influindo no sentido de uma justicialização da administração,que tem como reflexo a politização da justiça. A CF/88 alargou o campo de ação da ação popular, passando a proteger não apenas o patrimônio público,mas ,igualmente, a moralidade administrativa, o meio ambiente,o patrimônio histórico e cultural ( art. 5º,LXXIII ) .


O Juiz tem uma vasta margem de discrição, decidindo por meio de conceitos indeterminados: economicidade, moralidade, legitimidade... que cada um pode entender do prisma que quiser, optando segundo sua cosmovisão. Daí, num mesmo caso, um juiz decide pelo desenvolvimento econômico, enquanto outro juiz pode entender pela proteção ao meio ambiental, enquanto um terceiro juiz, diversamente, pode decidir segundo o interesse dos indígenas.

Essa diferença de visões e vasta margem de discrição, inexistia e inexiste, quando se trata de aplicar normas precisas nos seus conceitos e fatos objetivamente demonstráveis,porém,ocorre quando não existe uma “ resposta certa “ ,mas tão somente alternativas de política.

Com a CF/ 88 , o Ministério Público passa a promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. ( art. 129, III ) . Antes, pela Lei 7.347/85,o Ministério Público não podia promover a ação civil pública para a defesa do patrimônio público ou para tutelar interesses difusos.

A judicialização de todos os setores da vida humana é a tendência dominante.
Quanto ao mandado de segurança, a Constituição não só manteve o modelo clássico ( art. 5º,LXIX ) bem como lhe acrescentou um novo: o do mandado de segurança coletivo ( art. 5º,LXX ) .

Serve o mandado de segurança coletivo para reclamar do juiz medidas de proteção a interesses difusos, como ao meio ambiente sadio. Tais medidas são providências prudenciais, discricionárias, tendo como ponto de referência uma visão do bem geral – traços típicos e exclusivos das decisões que antigamente se chamavam “política”.

Quanto à ação de inconstitucionalidade por omissão, tem-se que a ‘omissão’ pode ser a de providências administrativas (art. 103,§2º ). Neste caso, verificada a omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, o Judiciário exigirá essa providência, dando ao órgão administrativo responsável o prazo de trinta dias para fazê-lo. É significativo que o Judiciário possa fazer determinações compulsórias, com prazo fixado, sobre providências administrativas referentes à execução de norma constitucional, ou seja,de interesse geral.

Ação popular; mandado de segurança; mandado de segurança coletivo; ação civil pública – admitem liminares que antecipam o resultado final. Essas liminares podem paralisar obras, ou as condicionam, adiando medidas ou providências e envolvem questões que são notícias e cujas decisões são tomadas perante o crivo das câmaras de televisão, que exercem pressão sobre o juiz, no que passou a ser chamado “ videocracia”.

O Judiciário goza de uma confiabilidade que os Poderes “ políticos” Legislativo e Executivo perderam. Os “políticos” são objeto de escárnio e olhados com desconfiança pela opinião pública que é alimentada pelos meios de comunicação de massa.

Há magistrados que guiam seus votos pela “ opinião pública “ . Os meios de comunicação de massa ’profetizam’ os votos dos membros da Corte, do STF, por exemplo – analisando posições jurídicas como se fossem opções ideológicas ou partidárias. Em off, ocorrem,por vezes,o vazamento de informações,que antecipam votos, movidos pelo desejo ou de agradar, ou de justificar-se perante os “donos” da comunicação.

O controle externo do Judiciário visa impor aos juízes e tribunais, um padrão politicamente correto de decisão. A atuação de um órgão político de controle sobre o Judiciário, pode resultar numa politização da justiça. ( Manoel Gonçalves Ferreira Filho )

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A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA

ROGER STIEFELMANN LEAL

Tem havido flexibilização dos parâmetros legais e constitucionais existentes em benefício de uma suposta independência judicial e de um pretenso poder normativo dos juízes.

O Poder Judiciário não passava de um mero executor de leis.
Montesquieu define os juízes como apenas a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que não podem moderar sua força, nem seu rigor.
Montesquieu elaborou uma doutrina política, e não jurídica, da separação dos poderes.

O juiz, ao julgar, opta dentre as interpretações possíveis, uma vez que nos textos diuturnamente elaborados, há sempre ,mais de um significado possível, cabendo ao juiz decidir , com certa liberalidade. O juiz, ao exercer sua função judicante, acaba por criar direito.

Montesquieu expõe a necessidade de limitar ao máximo a liberdade de criação do juiz, de modo a preservar o princípio da segurança jurídica. O Poder Executivo limitava-se a questões atinentes à relações internacionais : fazer a paz ou a guerra , enviar ou receber embaixadas, instaurar a segurança e prevenir invasões. Tanto o Poder Executivo quanto o Poder Judiciário tinham a função de aplicar o direito.
Preveniu-se, na realidade, uma divisão de competências. Enquanto a um cabia aplicar o direito das gentes, ao outro cabia aplicar o direito civil.

O Judiciário transformou seu perfil com o advento do Estado de bem-estar, o “ Welfare State” . O Parlamento, no modelo clássico ,preponderava sobre os demais poderes e com a ideologia do “ bem-estar social” o Poder Executivo passou a prevalecer nas relações entre os poderes constituídos.
O Poder Executivo alterou o processo legislativo, acelerando-o e “atropelando-o” . Assim, concebeu-se a possibilidade do Executivo legislar através de delegações legislativas e atribuições constitucionais. Isso causou uma proliferação legislativa.
Diante do crescimento do Poder Executivo, o Poder Judiciário passou a ser encarado como o escudo da sociedade, o protetor dos direitos individuais diante dos avanços do Estado em “domínios alheios”, assumindo, em certas ocasiões, papéis políticos estranhos à concepção doutrinária clássica.

Paralelamente à possibilidade de controlar os atos administrativos, desenvolveu-se a questão do controle da constitucionalidade das leis.

O Judiciário passou a ter poder sobre o Legislativo e o Executivo, pois o direito lhe permite anular os seus atos sob o irrefutável argumento de defender a Constituição.
O controle da constitucionalidade é, essencialmente, controle político e, quando se impõe frente aos outros detentores do poder, é, na realidade, uma decisão política.

Quando os Tribunais proclamam e exercem seu direito de controle, deixam de ser meros órgãos encarregados de executar a decisão política e se convertem por direito próprio num detentor de poder semelhante, quando não superior, aos outros detentores do poder instituídos.

Paulatinamente, o Poder Judiciário vem assumindo um papel de árbitro do processo político, decidindo conflitos constitucionais de ordem federativa e, sobretudo, de ordem interorgânica, fundamentando tal função na competência de interpretar a Constituição. Nota-se, que, quanto mais um Poder prepondera, mais vulnerável ele se torna a uma eventual politização.

Segundo Loewenstein, os detentores do poder, politicamente responsáveis – governo e parlamento – estão expostos à tentação de levar ante o tribunal um conflito político. Os juízes, por sua vez, estão obrigados a substituir as decisões dos responsáveis detentores do poder por seus juízos políticos, camuflados em forma de sentença judicial.

Conclusões

Loewenstein chamou de ‘judiocracia’ . Cada vez mais tem-se visto o Poder Judiciário interferir nos rumos políticos traçados pelos outros poderes sem possuir, na maioria dos casos, legitimidade democrática para tanto. Se outorga-se o direito aos Tribunais de frustrar uma decisão política do governo e do parlamento, ameaça o perigo de que, ou bem a decisão do tribunal não seja respeitada – com prejuízo para o Estado de Direito - , ou bem a decisão política do governo seja substituída por um ato judicial que, ainda que revestido jurídico- constitucionalmente, não é, no fundo, senão um ato político de pessoas que não tem nenhum mandato democrático para levar a cabo essa função.

Nas decisões judiciais tem que prevalecer os princípios da igualdade,da segurança jurídica e da unidade do direito, com decisões estritamente técnicas. Há quem diga que a inventividade dos juízes seja um dos elementos responsáveis pelo desenvolvimento do direito. Contudo, impõe-se que casos iguais sejam todos resolvidos da mesma forma, em observância aos princípios da igualdade e da segurança jurídica.

É atual a lição de Montesquieu, no sentido de que se o poder de julgar estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário,pois o juiz seria o legislador.

A supremacia jurisdicional que se vive nos dias atuais parece alcançar dimensões não concebidas outrora em relação ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo O modelo político de busca do “ bem estar social” impôs vultoso número de funções ao Poder Judiciário, passando a admitir uma estrutura constitucional onde a decisão judicial passou a ter poderes nunca antes imaginados. ( Roger Stiefelmann Leal )


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Ubiratan Jorge Iorio

(publicado em: Banco de Idéias, Instituto Liberal do RJ, Ano XIII, nº 47, jun/jul/ago-2009)


"A gênese desse processo de politização é o relativismo moral niilista de tintas nietzschianas, que lançou incertezas sobre a fronteira ética demarcatória entre o certo e o errado e que se espraiou, a partir da segunda metade do século XIX e durante o século XX. Por todos os campos da ação humana, do Direito à Economia, da Política à Sociologia, da Psicologia à Antropologia, das Artes à Cultura, fazendo emergir o fatal conceito, aquela pretensão fatal tão bem apontada por Hayek: a crença cega em que as “soluções políticas” seriam superiores às geradas de forma espontânea em cada um dos subsistemas que compõem as sociedades. Tal crença, no século XX, semeou práticas e instituições que levaram à colheita dos grandes males ideológicos do século passado, como o nacional-socialismo e o comunismo.

A pedra angular do Direito Alternativo, é que, como a lei não esgota o Direito, os juízes devem assumir posturas “críticas” diante dela, o que os autoriza a deixarem de aplicá-la, caso considerem-na “injusta”.

Organizações sociais contaminadas pelo relativismo provocam confusão deliberada dos negócios de Estado, que devem ser permanentes, com os de governo, que precisam ser transitórios. Não é por acaso que a politização do Judiciário, com a conseqüente apropriação das atividades de inteligência e de polícia por parte do governo e seu afastamento dos objetivos de Estado, pode ser encontrada tanto na Alemanha de Hitler quanto na antiga União Soviética e em outros países que optaram por sistemas autoritários.

A Doutrina do Direito Alternativo, também denominado de Direito Paralelo e Direito Insurgente, repudia os princípios consagrados de neutralidade da lei e de imparcialidade do juiz. A lei não seria neutra porque se origina do poder dominante e o juiz não deveria ser imparcial porque deve julgar os fatos subjetivamente e posicionar-se tendo em vista objetivos “sociais” (ou seja, “revolucionários”), o que lhe aumenta os poderes e lhe permite questionar o conjunto de normais legais vigentes. O magistrado entra dessa forma diretamente na “luta de classes”, abandonando sua postura de imparcialidade, que o “aprisionaria” dentro do estrito cumprimento da lei.

É uma visão ideológica do Direito, supralegal e inteiramente comprometida com o socialismo distributivista, além de incompatível com a garantia das liberdades individuais. A enfeixar o conceito marxista de “lutas de classes”, retira do Direito o seu atributo de ciência normativa e o juiz passa a legislar. Se uma determinada lei é “injusta”, o correto é que o Legislativo a revogue e não que o juiz a modifique de acordo com o que pensa.

O recente caso do promotor Gilberto Thums - do Conselho Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul e um dos que aprovaram um relatório no final de 2007 pedindo a dissolução do MST - que, sob pressões de muitos de seus pares, abandonou o duelo que travava com o movimento, que considera uma "organização criminosa" e um braço de guerrilha da Via Campesina, atesta esse fato.


O Direito Alternativo respalda o ativismo judicial militante manifestado em praticamente todos os tribunais e, de forma mais forte, no STF, concentrando poderes extraordinários em onze togas (dos atuais 11 ministros, 1 foi nomeado por Sarney, 1 por Collor, 2 por Fernando Henrique e 7 por Lula e 1 por Dilma ), em detrimento das instâncias judiciais de base que, como ensina o Princípio da Subsidiariedade, estão sempre mais próximas dos conflitos humanos inerentes aos processos judiciais e em flagrante contradição com os requerimentos democráticos e federalistas.

O ativismo exacerbado que podemos observar em várias decisões do STF, aliado à praxe de Súmulas Vinculantes, subtrai o espaço de atuação constitucional e institucional do Legislativo. Impõe também um risco inaceitável, o de tornar a Suprema Corte a solitária depositária de todas as reivindicações da sociedade, já que os demais poderes, especialmente o Legislativo, vêm deixando de suprir as demandas que lhes cabe constitucionalmente atender. Temas importantes, que deveriam ser debatidos à exaustão nas suas instâncias adequadas – como, por exemplo, as questões do aborto e da demarcação de terras indígenas -, passam a ser monopolizados pelo Judiciário.

No Brasil os juízes não são eleitos, pois prestam concursos públicos, o que, se lhes confere legitimidade legal e burocrática, não lhes dá nenhuma autoridade política que lhes outorgue o privilégio de imporem suas opções político-ideológicas particulares na efetivação de direitos. Além disso, sua formação técnica não contempla conhecimentos básicos indispensáveis para a tomada de decisões nas searas da Administração Pública e Privada. Em Judiciários politizados os magistrados emitem juízos puramente políticos, com fundamento em uma prerrogativa distorcida – “o controle difuso” –, sem respaldo na devida representatividade política e sem responsabilidades nas alocações de recursos estabelecidas nos orçamentos. Entre outros males, isto acarreta o esvaziamento dos objetivos e funções do Parlamento.

Recentes decisões judiciais como a do Tribunal Regional do Trabalho(TRT) de Campinas, que, em um dissídio coletivo, concedeu uma liminar proibindo a demissão de funcionários da Embraerm ou de um juiz do Estado do Mato Grosso que suspendeu a busca e apreensão de tratores e outros implementos agrícolas pelas instituições financeiras por meio da concessão de uma liminar em uma ação coletiva movida pelo Sindicato dos Produtores Rurais, a fim de que os produtores mantivessem a posse dos bens financiados e não pagos. A mais infeliz foi uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que se negou a conceder uma medida liminar de reintegração de posse a um produtor rural de uma fazenda invadida pelo Movimento dos Sem-Terra (MST) por não ter ele comprovado o atendimento da função social da propriedade, quando se sabe que o Código de Processo Civil não exige esse requisito”.

Outra faceta preocupante do processo de politização do Judiciário é a ingerência que lhe impõe o Executivo, causada pelas nomeações: é da natureza humana que a mão que nomeia um magistrado permaneça estendida diante do escolhido, na expectativa de retribuição. Não é por outra razão que o Executivo quase sempre leva a melhor quando recorre ao STF, o que levou o jurista Paulo Bonavides a afirmar: “A Suprema Corte correrá breve o risco de se transformar em cartório do Poder Executivo”.


A ABIN é ligada à Presidência da República e tem a seu cargo exercer a atividade de Inteligência. No papel, é um órgão de Estado e não um órgão de governo e não pode ter qualquer vínculo político- partidário, como ocorre nas democracias maduras. O Departamento de Polícia Federal é subordinado ao Ministério da Justiça, com a função constituiçional de exercer a segurança pública para a preservação da ordem interna e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Também deve ser apolítico. E a Força Nacional de Segurança Pública, também subordinada ao Ministério da Justiça, tem como alvo combater o crime organizado e suas ligações com as polícias. Ora, uma polícia para policiar as polícias, na melhor hipótese, é uma justaposição de atividades que poderiam ser desempenhadas pelas demais e, na pior, o embrião de uma polícia política.

Muitos são os emecanismos empregados pelos aplicadores do direito alternativo: - São muitas as suspeitas de escutas e interceptações telefônicas ilegais.

Delegados, Promotores de Justiça e Magistrados com ligações político-partidárias manifestas, produzem operações policiais espalhafatosas, projetando cisões internas na Polícia Federal e na ABIN, juízes julgando política e ideologicamente, leniência para com transgressores de direitos de propriedade (os ditos “movimentos sociais”; tratamentos desiguais para cidadãos constitucionalmente iguais (cotas, quilombolas, reservas indígenas) e outros fatos graves, como a recente concessão de asilo político ao condenado criminoso italiano Cezare Battisti e o indeferimento do pedido de asilo a dois atletas cubanos em 2006, que maculam as instituições democráticas, minam a credibilidade do Poder Judiciário e comprometem a democracia brasileira.

Em uma democracia, não deve haver controle externo da magistratura, pois é inadmissível que um poder técnico, que deve apenas julgar de acordo com a lei, seja controlado pelos demais, mas no Brasil o Judiciário está-se tornando tão político como os outros dois poderes, daí compreender-se por que a maioria dos magistrados e membros do Ministério Público seja contra a Lei da Mordaça, que os obrigaria a falar apenas tecnicamente nos autos, e não para a mídia.

No Brasil de hoje, o Legislativo não legisla; quem o faz é o Executivo, com enxurradas de Medidas Provisórias e o Judiciário, com base na Doutrina do Direito Alternativo e mediante o ativismo judicial militante.

* Ubiratan Jorge Iorio é Doutor em Economia pela FGV/EPGE, Professor da UERJ e presidente do CIEEP – Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista

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Mestrando: Everson Carlos Andrade

Prof. Dra. Adriana Zawada Melo


UNIFIEO / Osasco - 2009

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