sexta-feira, 18 de setembro de 2009

DEMOCRACIA E ESTADO DE DIREITO

Mestrando : Everson Carlos Andrade

Disciplina : Teoria dos Direitos Fundamentais

Prof ª Dra. Adriana Zawada Melo






Questões :


1. Pode –se considerar a democracia como sendo um direito fundamental ?

Os direitos e liberdades individuais são objeto da proteção do Estado de Direito formal e são uma exigência adicional da fundamentação democrática dos poderes públicos e do conseqüente cumprimento dos direitos de participação política , característicos do Estado de Direito democrático.

A neutralidade política e ideológica do Direito Internacional permite todas as formas de autoritarismo dentro das fronteiras dos Estados, na medida em que aceita a ¨blindagem ¨ da não ingerência nos assuntos internos dos Estados , a chamada soberania .

Após a segunda guerra, surgiu a consciência de que os instrumentos de proteção internacional dos direitos humanos cuja lógica está no reconhecimento planetário do valor único da pessoa.
A progressividade da internacionalização dos direitos não caracteriza a subalternização do Estado em relação à efetivação dessas normas internacionais,ao contrário, o Estado continua com o domínio da concretização desses direitos.

Uma proteção internacional efetiva se baseia em princípios gerais , cujo conteúdo e concretização dependem da estrutura constitucional e da prática judicial do Estado. De outra parte, a incorporação desses princípios do direito internacional positivo limita o ¨ espaço soberano ¨ ( margem de apreciação nacional ) de concretização interna daqueles princípios.

Os instrumentos jurídicos internacionais de proteção supõem o cumprimento interno dos ditames do Estado de Direito , em grande medida só se percebem como ¨ mecanismos de segunda instância ¨ para suprir deficiências de funcionamento das garantias internas .

Estamos diante de um paradoxo : O êxito do Direito Internacional dos direitos humanos depende de sua capacidade de estimular a elaboração de fórmulas constitucionais e legais que sejam eficazes na proteção interna dos direitos humanos.
O que é um Estado de Direito como mecanismo de aplicação do Direito Internacional do nosso tempo ? Que o elenco de direitos o Direito Internacional deve proteger, para que se trate de um Estado civilizado ?

A resposta é minimalista, confirmando a convicção e o consenso da superioridade dos direitos humanos é um consenso pela redução da amplitude atual dos direitos internacionais consagrados e em conseqüência, um consenso que amortiza a força emancipatória dos direitos mais jovens.

A afirmação da força jurídica dos direitos e liberdades individuais absolutamente essenciais , por meio da eficácia ¨erga omnes ¨ em relação ao seu cumprimento . O minimalismo do Direito Internacional resulta das disposições comuns das leis regionais ou universais sobre direitos humanos e direito internacional humanitário .

São poucas as violações a direitos humanos qualificadas como crimes internacionais praticados pelo Estado , sendo eles: escravidão ; genocídio; apartheid; tortura ; desaparecimentos forçados e execuções sumárias arbitrárias .

O Estado de Direito deve ser entendido como resultante do núcleo universal imperativo do direito internacional dos direitos humanos , é um Estado mínimo, o que , na terminologia do Direito Constitucional , é um Estado de Direito formal .

O Direito Internacional contemporâneo não admite governos arbitrários , estabelecendo limites para o arbítrio e a barbárie.

Para ser um estado de Direito, é exigido ao Estado, internacionalmente, o cumprimento dos direitos humanos de primeira geração,

O Estado de Direito formal tem sido superado na evolução do constitucionalismo. As experiências da instrumentalização aristocrática e autoritária da legalidade formal, tem feito emergir, por contraste, o Estado de Direito Democrático . Somente no Estado Democrático de Direito , a soberania do soberano é menor que a soberania do povo.

Segundo o Professor Perez Luño , “ a atuação normativa do princípio da soberania popular é uma condição para a democratização efetiva dos distintos processos e instituições estatais . Se dirigem a garantir, que qualquer exercício de poder por parte dos órgãos do Estado se dará em virtude de sua prévia legitimação popular , no interesse do povo “ .

Recentemente verifica-se, uma ganância de fundamentação democrática do Estado de Direito , que tem passado a ser uma exigência firme do Direito Internacional e mais especificamente , do Direito Internacional dos direitos humanos .

Thomas Frank, em estudo de 1992, afirmou que : “ Cada vez mais os governos reconhecem que sua legitimidade depende que satisfaçam a expectativa normativa da comunidade de Estados. Esse reconhecimento tem conduzido ao surgimento de uma expectativa da comunidade : - Os que pretendem a validade de seu poder, devem governar com o consentimento dos governados. Dessa forma , a democracia está se tornando um direito global , que será progressivamente promovido e protegido por processos coletivos internacionais .

A base jurídica para o surgimento do Estado Democrático de Direito já existia desde a Declaração dos Direitos Humanos , sendo que em seu artigo 21. 3 consta que” a vontade do povo é a base da autoridade do poder público e essa vontade se expressará mediante eleições autênticas que deverão ocorrer periodicamente, por sufrágio universal , igual, e secreto ou outro procedimento que garanta a liberdade de voto “

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis, em seu art. 25 , atribui a todos os indivíduos o direito de participar na direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos, e de votar e ser votado em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores .

A democracia, num Estado de Direito é um direito fundamental exigido pelo Direito Internacional . A democracia é um elemento inerente ao Estado de Direito , devendo ter pluralismo de partidos políticos , ademais , declaram que a vontade do povo deve ser expressa livremente em eleições periódicas e honestas , sendo esse o fundamento da autoridade e legitimidade de qualquer governo ... e reconhecem a responsabilidade que lhes cabe , de defender e proteger ,de acordo com suas leis, suas obrigações internacionais em matéria de direitos humanos e seus compromissos internacionais , a ordem democrática livremente estabelecida por vontade do povo ...
O princípio democrático tem sido consagrado em importantes resoluções da Assembléia Geral das Nações Unidas ( 18 de fevereiro de 1990 e 17 de dezembro de 1991 ) .
Desde o final da Guerra Fria, em havido uma crescente densidade normativa e institucional do sistema internacional de proteção dos direitos humanos, havendo hoje um consenso sobre a coesão entre democracia, Estado de Direito e direitos humanos , ou seja, sobre a configuração de um direito internacional como um sistema de Estados Democráticos de Direitos .
Esse sistema internacional, é de origem euroamericana e não tem sido questionado na África , onde nas últimas décadas tem havido progressos em direção ao Estado Democrático de Direito,( onde houve o fim do apartheid , aas evoluções constitucionais na Namíbia e Cabo Verde, processos de paz em bases jurídicas, em Angola e Moçambique ) .
O maior desafio da aceitação universal da democracia como direito fundamental, tem acontecido no oriente próximo e extremo ,devido a um enraizamento cultural de códigos não legalistas de relacionamento.
Na China , por exemplo, o apetite ocidental pelas dimensões de seus mercados, tem tornado a legalidade, a democracia e os direitos humanos, um assunto de segundo plano. Por isso, a China tem tratamento favorecido,mesmo depois do massacre da Praça da Paz Celestial ( Tiananmen) , pelo mesmo motivo, a Indonésia não é incomodada, apesar do genocídio do povo de Timor Leste , pelo mesmo motivo, a monarquia feudal do Kwait tem sido qualificada pelas resoluções do Conselho de Segurança da ONU, como “ governo legítimo do Kwait “


2. Quais seriam os argumentos para defender ou se contrapor a esta posição ?


A estruturação do novo sistema internacional de Estados Democráticos de Direito, é a desestruturação dos pilares do velho sistema de Estados soberanos . Não é que o direito internacional tenha deixado de proteger a soberania , mas, como recorda Michael Reisman, “ no sentido moderno , o objeto de proteção já não é a base do poder do tirano que governa com poderes ilimitados, mas sim a capacidade contínua do povo , em eleger livremente a identidade e as políticas de seus governantes”.
A ONU atribui o direito à autodeterminação somente aos povos submetidos a uma dominação colonial, a ocupação estrangeira ou a regimes racistas. Porém, exclui abertamente os povos que lutam contra a opressão interna ou pela separação de um Estado .

Hoje, sob a ótica jurídico-político internacional há um conceito pós-colonial de auto – determinação . O direito a autodeterminação assume hoje uma importantíssima dimensão interna , que se traduz no direito de cada povo a uma participação livre e plena em eleições políticas e na legitimação democrática dos poderes públicos . A valorização dessa dimensão interna da auto-determinação lança uma nova e estimulante luz , significando que o direito a autodeterminação não só como direito a existência de um Estado, mas também como direito a viver em um Estado regido pelo princípio da soberania popular ,que é uma pré – condição do respeito pelos demais direitos humanos .

O segundo pilar desse sistema internacional advindo da Guerra Fria, que está sendo submetido a uma profunda pressão transformadora, é o reconhecimento. O Direito Internacional sempre foi indiferente em relação ao funcionamento interno dos Estados, sendo o reconhecimento de Estados e Governos conduzido tão somente pelo sentido da conveniência política e estratégica. Hoje, porém, esboça-se entre a comunidade das nações um ressurgimento de limites ao exercício do reconhecimento ( conforme Resolução 46/7 da Assembléia Geral das Nações Unidas , aprovada 11 dias depois do golpe militar no Haiti, , declarando” inaceitável qualquer entidade resultante dessa situação ilegal “ .

Até onde vai essa erosão do princípio da soberania do Estado, com base em direitos humanos ? Mais concretamente, até o uso da força ?

Os princípios hegemonistas de legitimidade internacional – da cristandade na civilização ocidental ao internacionalismo do proletariado , tem justificado o emprego da força, contra os que lhes são diferentes. – É assim também com o sistema internacional de Estados Democráticos de Direito ? .

Deve reconhecer-se que a intervenção democrática pode ser percebida como uma extensão natural da abertura que se está produzindo no campo humanitário , ou seja, o clima criado pela discussão sobre a efetividade do direito de assistência humanitária facilita a aceitação de igual possibilidade, não para garantir o respeito aos direitos humanos à existência física e à integridade individual, senão para garantir o respeito pela soberania popular .

Apesar da facilidade de encontrar uma construção jurídica legitimadora desse direito, temos de reconhecer o perigo de sua colisão com o princípio da igualdade de soberania entre os Estados . Haveria a descaracterização de todo o Direito Internacional, e do mesmo princípio da democracia, caso se admita um ordenamento internacional policial, e , portanto , hierárquico entre as nações. Tem sido essa a avaliação de que determinados juízos de ilegalidade de intervenções , como as que a União Soviética fez no Afeganistão, em 1979 e na Tchecoslováquia,em 1968 ,ou os Estados Unidos,que interveio no Panamá e em Granada . A intervenção democrática unilateral, não é admissível no Direito Internacional .

Somente a comunidade internacional em seu conjunto , por meio de seus mecanismos institucionais,pode exigir que um Estado preste contas de seu respeito pelos direitos humanos , inclusive no que respeita ao direito do povo a ter democracia. Por esse ponto de vista, o Conselho de Segurança da ONU, durante a crise haitiana ( recorrendo a uma extensão de poder de determinação de situações de ameaça à paz, violações da paz ou atos de agressão ) , constitui um importante precedente. Pela primeira vez a restauração da democracia e o retorno do presidente democraticamente eleito , ao poder, são os motivos expressos para a imposição de sanções econômicas e políticas e, para a legitimação do emprego de força .

Concluindo :

Pode uma sociedade internacional não democrática, assimétrica, e aristocrática, exigir o cumprimento da democracia ?

O excesso de visibilidade é um mecanismo de ocultação. Em outros tempos, o foco internacional incidia sobre os direitos civis, deixando na sombra todos os demais. Atualmente, a democracia surge identificada com os direitos de participação, deixando na sombra as condições materiais necessárias ,os direitos econômicos, sociais e culturais. para essa participação.

O Estado Democrático de Direito , está sendo a ocultação do Estado Social de Direito .

Um sistema internacional de Estados Democráticos de Direito , depende da uniformidade de critérios da comunidade internacional, principalmente das grandes potências , quando da reação , nas situações concretas .

Surge uma inquietude : Qual deve ser o lugar da tolerância com este tempo de mudança ? John Rawls assim se expressou : “ É seguro que os regimes tirânicos e ditatoriais não podem ser aceitos como membros de pleno direito de uma sociedade de povos razoáveis . Porém,igualmente não se pode exigir a todos os regimes, que sejam liberais. De outra amaneira, o direito das gentes não expressaria o princípio da tolerância frente a outras formas razoáveis de ordenamento das sociedades .

O risco de uniformizar é real, nesse processo de articulação dos direitos humanos com o Estado de Direito . Por isso, os defensores dos direitos humanos tem um desafio dos mais importantes ,que é serem porta vozes da força subversiva dos direitos humanos, tal qual fizeram Bartolomé de Las Casas e Antonio Vieira, descobrindo os direitos humanos, à partir de um profundo amor pelo ¨ diferente ¨.

PUREZA , José Manuel. Derecho cosmopolita o uniformador ? Derechos Humanos,Estado de Derecho y Democracia em La posguerra fria. In: Antonio Emrique Pérez Luño ( coord. ) Derechos Humanos y constitucionalismo ante El tercer milênio. Madrid : Marcial Pons, 1996, 123/ 135 .







Mestrando : Everson Carlos Andrade

UNIFIEO / Osasco
Set. 2009

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